Quinta-feira, 31 de Maio de 2007

Texto 1

Objecto e Método da Filosofia
   
1. Etimologicamente, isto é, indo à origem da palavra,
    "Filosofia" significa: amor à Sabedoria.
 
2. Consiste numa investigação racional
    sobre a totalidade do real, com o propósito
    de encontrar a sua explicação última.
 
3. Nascida na Grécia no século VIº A.C.,
    aspira ao conhecimento dos princípios imutáveis
    que presidem aos fenómenos transitórios.
 
4. É uma actividade dogmática e sistemática
    nalgumas áreas, como na Lógica Formal.
 
5. A radical imperfeição do saber humano
    obriga porém a Filosofia a ser mais interrogativa
    noutros domínios, como na Teoria do Conhecimento.
 
6. A contemplação da harmonia expressa no Universo
    induz o homem à admiração e eclode o filosofar.
 
7. A Filosofia é assim a ciência da totalidade das coisas
    pelas suas causas últimas e adquirida pela luz da razão.
                             
 
 
 
    Os restantes Textos incidem sobre as Divisões
    ou Partes fundamentais da Filosofia.
publicado por Marc Calicis às 00:21
link do post | favorito
Quarta-feira, 30 de Maio de 2007

Texto 2

Conhecer o Ser
 
8. A Filosofia da Realidade comporta
    a Metafísica Geral e a Metafísica Especial.
 
9. A Metafísica Geral ou Ontologia é o núcleo da Filosofia.
    Tem por objecto o Ser em si, as suas propriedades
    e os modos pelos quais este se manifesta.
 
10. Essa é a Filosofia Primeira, tida por Aristóteles
      como a ciência dos primeiros princípios.
 
11. Trata-se de um conhecimento geral e abstracto
      que se ocupa da essência dos seres.
 
12. O que são as coisas em si mesmas,
      apesar das aparências que possam assumir
      e das mudanças acidentais que nelas possam ocorrer?
 
13. A Ontologia estuda portanto a substância dos entes:
      a sua realidade íntima, verdadeira e permanente.
 
14. O objecto da Metafísica Especial é tripartido:
      debruça-se sobre o mundo, a alma e Deus.
      Exponho a seguir cada uma destas partes.
 
15. A Cosmologia Racional versa sobre o Universo.
      Já os Pré-Socráticos se dedicavam à Física,
      estudo da Natureza (do Grego "Physis").
 
16. A Psicologia Filosófica ocupa-se da origem,
      da natureza e do destino da alma do homem.
 
17. Princípio da vida e do movimento corpóreos,
      a alma humana é imortal e indecomponível.
      Constitui a sede do "eu" pensante e livre.
 
18. A Teologia Natural, tendo Deus por objecto,
      serve-se apenas da razão e da experiência.
 
19. Labor puramente filosófico, a Teodiceia
      distingue-se da Teologia Revelada
      por não recorrer às luzes da Fé.
 
      Analisemos agora outro ramo da Filosofia:
      a Teoria do Conhecimento ou Gnoseologia.
 
20. Teoria significa: explicação.
      A Gnoseologia investiga as origens,
      a natureza e o valor dos nossos conhecimentos.
publicado por Marc Calicis às 11:20
link do post | favorito
Terça-feira, 29 de Maio de 2007

Texto 3

O Realismo
 
 
21. O Realismo é uma doutrina filosófica relativa à questão
      da Natureza do nosso Conhecimento. A seguir se expõe.
 
22. As coisas são independentes da nossa consciência.
      O ser existe fora do pensamento.
 
23. O Real nada deve ao modo como nós o representamos.
      Não é modificado pelas nossas representações.
 
24. O Ser precede as nossas ideias. A elas resiste e a elas subsiste.
      É a Realidade enquanto tal, seja ela conhecida ou não pelo homem.
      É aquilo que é e não pode deixar de ser, ou seja, a verdade ontológica.
 
25. A verdade gnoseológica é o conhecimento verdadeiro.
      Consiste na plena adequação entre o pensamento e o objecto.
      Resulta da descoberta de algo que já era. Assenta na verdade ontológica.
 
26. O sentido tradicional do vocábulo "ciência" é o seguinte:
      todo o conhecimento verdadeiro, seja qual for
      a sua proveniência ou o seu objecto.
 
27. O significado que o mesmo termo adquiriu hoje em dia
      é o de um conhecimento racional e verificável,
      expresso em leis prováveis (revisibilidade)
      e utilizando uma linguagem unívoca.
 
28. Afirmar aquilo que não é. Negar aquilo que é.
      Eis como ocorre o erro no juízo.
 
29. O objecto é irredutível à consciência. Está fora
      da esfera do sujeito. Pode ser material ou imaterial.
 
30. Não é o objecto que se aloja no interior da consciência,
      mas a sua imagem ou a sua representação.
 
31. Quando um objecto passa a ser conhecido,
      não se altera. Permanece intacta a sua natureza.
      Apenas no nosso espírito se operou uma modificação.
    
 
32. O planeta Plutão preexistia à sua descoberta.
      As suas propriedades mantêm-se iguais a si mesmas.
      Não é a Verdade que evolui, mas o nosso conhecimento da Verdade.
 
33. Os universais correspondem a algo real fora da mente.
      O Bem, por exemplo, não é apenas um conceito.
      Existe em si, como as verdades matemáticas.
      Nem tudo é real da mesma forma.
 
34. O Conhecimento pressupõe o Ser.
      Não se pode conhecer o que não existe.
 
35. As coisas persistem todavia sem ser conhecidas.
      Uma realidade não desaparece por não pensarmos nela.
 
36. Para um objecto ser conhecido, deve estar ao alcance do sujeito.
      O conhecimento exige efectivamente uma relação entre um e outro.
 
37. Os raios X são uma realidade. No entanto,
      nem os nossos sentidos nem a nossa razão os alcançam.
      É pelo testemunho de outrem que conhecemos a sua existência.
 
38. A velocidade da luz é de 300.000 kms por segundo.
      Jamais chegaríamos a descobrir isso por nós próprios.
      Sabemo-lo por um acto de fé na autoridade da ciência.
 
39. As nossas faculdades cognitivas pouco alcançam.
      A douta ignorância é o átrio do Conhecimento.
      A humildade intelectual é própria do sábio.
 
40. O que sucederia à lei da gravidade se fosse desconhecida?
      Continuaria a exercer tranquilamente os seus efeitos.
      O ser ignorada em nada afecta a sua eficácia.
 
41. Mas não são indiferentes para nós as consequências do não-saber.
      O desconhecimento da verdade não aproveita a ninguém.
      O único perdedor é o sujeito que se priva de um bem.
 
42. A ignorância torna-se culposa quando queremos ignorar
      alguma coisa que tínhamos a obrigação de saber.
      Trata-se de um acto de negligência voluntária:
      obstinamo-nos em nada querer saber.
 
43. O que devemos aprender e o que, sem dano, podemos ignorar?
      Em que indispensável instrução investir as nossas horas?
      Nem tudo interessa indagar ou saber no mesmo grau.
 
44. Há assuntos cuja ignorância não trará qualquer inconveniente.
      Beneficiaremos porventura se desconhecermos alguns,
      por serem nefastos ou simplesmente inúteis.
 
45. Mas outros há cuja ignorância acarreta grave prejuízo.
      E acautelemo-nos: se o saber não ocupa lugar, ocupa tempo.
 
46. O negarmos a existência de um ser real em nada o afecta,
      e o termos por real um objecto inexistente não o cria.
      O que é, é perenemente. O que não é, não é.
publicado por Marc Calicis às 22:29
link do post | favorito
Segunda-feira, 28 de Maio de 2007

Texto 4

O papel da linguagem
           
47. Para além do dito e do pensado,
      está o Ser, o qual subsiste por si mesmo,
      connosco, sem nós ou apesar de nós,
      antes, durante e depois de tudo.
 
48. Se se romper o laço que o liga à realidade,
      o discurso perde o fundamento ontológico
      que é justamente a medida do seu valor.
 
49. São as coisas que determinam as palavras e não o contrário.
      Um texto desvinculado da sua referência ao real
      reverte num chocalhar ou num tilintar
      de frases artificiais e inúteis.
     
50. Um discurso que não se limite a reproduzir a realidade, escamoteia-a:
      importa o que parece; o referente torna-se oco; a ilusão espreita.
      Prospera o verbalismo pedante; reinam as aparências;
      confunde-se o verdadeiro com o verosímil.
 
51. A eloquência, arte de seduzir auditórios,
      arma de persuasão, será salutar ou funesta,
      conforme servir a verdade ou disseminar o erro.
      A consistência do conteúdo prima sobre o culto da forma.
 
52. Sendo a linguagem instrumento de comunicação,
      cabe à palavra "dizer o Ser", reproduzindo-o fielmente.
      Caso contrário, o discurso atraiçoa o real, falseia-o,
      até negá-lo mesmo por completo. Já nada diz.
publicado por Marc Calicis às 15:41
link do post | favorito
Domingo, 27 de Maio de 2007

Texto 5

O Idealismo
 
  
53. Ao Realismo opõe-se o Idealismo.
      Sustenta que não há coisas reais fora do pensamento.
      Se as houver, são incognoscíveis (não podem ser conhecidas).
 
54. Fruto e modelo da atmosfera cultural da Idade Moderna,
      o Idealismo hipervaloriza o sujeito do Conhecimento.
      Nada haveria independente da consciência.
 
55. George Berkeley (1685-1753)
      resumiu esta postura na fórmula seguinte:
      “Esse est percipi” (Ser equivale a ser percebido).
      Só é real aquilo que for efectivamente percebido por nós.
 
56. O Idealismo preconiza o primado do eu sobre o não-eu.
      Só podemos conhecer as nossas próprias ideias.
      Elas são a realidade propriamente dita.
 
57. O real e o pensado identificam-se.
      Tudo o que é real é representação ou ideia.
      O sujeito cognoscente torna-se fonte de realidade.
 
58. Só prevalece o que for representado por nós.
      Não há lugar para o pré-representado
      ou para o não-representado.
 
59. A independência do Ser deixa de ter qualquer sentido.
      Não há nenhuma Verdade Ontológica acima ou fora de nós.
 
60. Esbate-se de igual modo a Verdade Gnoseológica,
      enquanto conformidade entre o pensamento e o objecto,
      pois a realidade passa a ser propriedade privada do eu.
 
61. O pólo objectivo da relação cognitiva (S → O)
      dissolve-se precisamente porque o objecto deixa de ser
      o totalmente "outro", o absolutamente diferente do pólo subjectivo.
 
62. Não há nenhum objecto sem sujeito ou exterior ao sujeito.
      Já nem sequer reconhecemos um par de opostos.
      Todo o objecto é pelo sujeito e no sujeito.
 
63. O subjectivo e o inter-subjectivo tudo anexam a si.
      O não-subjectivo, o supra-subjectivo, o extra-subjectivo
      são coisas do passado. Cessaram de existir.
 
64. "O que é real é racional e o que é racional é real",
      sentenciou Hegel (1770-1831). Está tudo dito.
 
65. Fora dos muros das nossas representações,
      não há nada. Não deve haver mais nada.
 
66. Para algo passar a existir, precisa do aval do sujeito.
      As coisas nada são em si mesmas. São por mim.
      O objecto, enquanto tal, não tem consistência.
       
67. Para o advento do Idealismo, contribuiu
      o critério da evidência de Descartes,
      na primeira metade do século XVII.
 
68. Que o não representado seja considerado como uma incógnita,
      é de bom senso. Que seja encarado como algo sem sentido
      ou até como um não-ser, constitui uma arbitrariedade.
 
69. A realidade exterior torna-se refém das nossas representações.
      A Ontologia sujeita-se à Gnoseologia, o ser ao conhecer.
     
70. As coisas são na medida em que são conhecidas.
      O que for desconhecido, e apenas por sê-lo,
      deixa de ter direito à existência.
 
71. Só existe aquilo que conheço.
      Nada pode existir sem o meu conhecimento.
      Algo passa a existir quando o conheço e porque o conheço.
 
72. Ergue-se um antropocentrismo narcisista
      em matéria de Teoria do Conhecimento. O Século XVIII
      entroniza o eu pensante como árbitro do que é e do que não é.
 
73. O homem volta a ser a medida de todas as coisas. O Ser em si
      reduz-se ao ser para mim ou, quando muito, ao ser para nós.
 
74. A Época Contemporânea acentua os privilégios do mega-sujeito.
      Espalha-se a tendência de gradualmente preterir a Metafísica
      em prol de uma Filosofia da Linguagem.
 
75. O discurso deixa de estar subordinado à realidade.
      Substitui-a. O verbo do homem é doravante a casa do Ser.
      Perverte-se a Douta Ignorância. "O que sei faz agora a realidade".
 
76. Dantes, dava-se um nome às coisas.
      Doravante, os nomes é que fazem as coisas.
      Instala-se um Nominalismo. Toda a ordem é invertida.
 
77. O Ser não é mais do que uma palavra, um som.
      O termo é que passa a ter a primazia sobre o conceito.
      A existência precede a essência e o conhecer antepõe-se ao ser.
publicado por Marc Calicis às 17:40
link do post | favorito
Sábado, 26 de Maio de 2007

Texto 6

O Dogmatismo e o Cepticismo
 
  
78. No que se refere ao Valor dos nossos Conhecimentos,
      distinguir-se-ão o Dogmatismo e o Cepticismo.
 

79. O Dogmatismo sustenta que a verdade está ao nosso alcance.
      Afirma a possibilidade do saber universalmente válido.
      O homem pode assim aceder à Ciência
      e ter algumas certezas na vida.
 
80. O céptico nega a possibilidade desse Conhecimento.
      As verdades objectivas e universais estão vedadas ao homem.
      "Descansa a tua cabeça na almofada mole da dúvida",
      escreveu Michel de Montaigne (1533-1592).
      Nenhuma certeza pode ser alcançada.

 
81. Um paradoxo do Cepticismo:
      a proposição "não há verdade" é verdadeira.
 
82. Baseia-se precisamente naquilo que procura combater:
      num saber adquirido. "Só existem opiniões". "Tudo é relativo".
      Considera duvidosas ou suspeitas todas as doutrinas, exceptuando a sua.
 
83. A dúvida céptica é sistemática, universal e definitiva.
      Recomenda a suspensão do juízo: não afirmar nem negar nada.
      Colocando no mesmo pé a verdade e o erro, faz tábua rasa de ambos.
      
84. Dela se distingue a Dúvida Metódica.
      Esta possui um carácter meramente provisório.
 
85. Também chamada Dúvida Cartesiana (alusão a Descartes),
      é utilizada como método para apuramento da verdade.
 
86. A dúvida não é, neste caso, um fim em si mesmo,
      mas uma precaução, um meio de discernir o trigo do joio.
      Cessa quando, após maduro exame, se chega a uma certeza.
 
87. Saber duvidar é muitas vezes uma medida de prudência.
      Evita dois males: a credulidade e a incredulidade gratuitas.
      Não se opõe ao Dogmatismo filosófico, pois é útil à verdade.
 
88. O Agnosticismo é uma modalidade de Cepticismo.
      Sustenta que não é possível ao homem conhecer
      a razão última da realidade ou a essência das coisas.
 
89. Por considerar impossível saber o que quer que seja a esse respeito,
      o agnóstico nem afirma nem nega a existência de Deus.
      Abstém-se simplesmente de tomar uma posição.
 
90. Embora o Agnosticismo se distinga do Ateísmo teórico,
      a indiferença religiosa que acarreta reverte num Ateísmo prático.
      Agnosticismo, imanentismo e evolucionismo vão de par.
publicado por Marc Calicis às 12:30
link do post | favorito
Sexta-feira, 25 de Maio de 2007

Texto 7

O Fidéismo
  
91. Ao Ateísmo contrapõe-se o Fidéismo, segundo o qual
      a Revelação divina constitui o supremo critério de verdade,
      a Fé prevalecendo sobre as restantes formas de conhecimento.
 
92. Um dogma religioso é uma certeza absoluta e definitiva,
      uma verdade de Fé oriunda da autoridade do mesmo Deus,
      independente de comprovações empíricas e superior à razão.
 
93. A sua natureza não é racional nem anti-racional, mas supra-racional.
      Guarde-se a razão de se pronunciar sobre aquilo que a ultrapassa.
 
94. Caberá à Filosofia ser a serva da Teologia, pois que,
      entregues a si mesmos, a razão e os sentidos não são fiáveis.
      Só Deus basta. Assim o entenderam os pensadores da Idade Média.
 
95. Uma citação de um monge do século XV ilustra o "crer para entender":
      “A quem fala o Verbo eterno, de muitas opiniões se desembaraça”.
 
96. Ao indicar onde radica a verdade, o Fidéismo responde também
      a uma última questão: a da Origem dos nossos Conhecimentos.
      Opõem-se-lhe o Racionalismo e o Empirismo.
publicado por Marc Calicis às 12:29
link do post | favorito
Quinta-feira, 24 de Maio de 2007

Texto 8

O Racionalismo e o Empirismo
 
    
97. É próprio do Racionalismo a primazia do Logos.
      A razão natural do homem é a fonte única do autêntico saber.
 
98. Só nos poderes da razão devemos confiar,
      pelo que tudo deve estar submetido à sua alta autoridade.
      Apenas deve ser admitido aquilo que a razão reconhece como lógico.
 
99. A experiência é incapaz de explicar todos os nossos conhecimentos.
      Os princípios normativos - como os da Matemática - são a priori,
      e as regras que presidem ao raciocínio são inatas.
  
 
 
100. As leis do pensamento racional são também as leis das coisas.
        Sendo o Universo um sistema coeso, um todo ordenado,
        um Cosmos - e não um caos - é precisamente
        esse isomorfismo que o torna inteligível.
 
101. O que, ao invés, define o Empirismo,
        é o primado concedido ao conhecimento sensível.
 
102. A experiência é tida como o único critério de verdade.
        Dela deriva, directa ou indirectamente, todo o saber humano.
 
103. Herdeiro do Empirismo da Idade Moderna, o Positivismo
        limita à ciência a capacidade de explicar o real.
 
104. "Tudo aquilo que não puder ser testado em laboratório
        ou traduzido em linguagem matemática, não tem sentido nenhum".
 
105. Só é cognoscível aquilo que a observação directa verificar: os fenómenos.
        O confinar a realidade ao dado empírico exclui a Metafísica.
 
106. “Nunca vi uma alma na ponta do meu bisturi” (Claude Bernard - Século XIX).
        Não existe o que não vejo, não ouço, não toco, não cheiro e não provo.
        Nenhuma certeza tem valor fora dos factos científicos comprovados.
publicado por Marc Calicis às 15:52
link do post | favorito
Quarta-feira, 23 de Maio de 2007

Texto 9

A Lógica
 
  
107. Acabamos de aflorar o objecto da Teoria do Conhecimento.
        Incumbe-lhe identificar as condições que asseguram
        a Verdade Material dos nossos juízos.
 
108. Esta resulta da plena conformidade ou perfeita adequação
        entre o que se afirma e o que objectivamente acontece.
 
109. Uma afirmação é verdadeira quando reproduz fielmente
        uma determinada realidade. Apenas um exemplo:
        “A Terra gira à volta do Sol”.
 
110. Toda a proposição verdadeira assemelha-se a um espelho
        ou a uma fotografia nítida do objecto ao qual se refere.
 
111. Retrata-o tal e qual ele é, sem modificá-lo em coisa alguma.
       Descreve-o, sem nada lhe acrescentar ou subtrair.
       
112. O que se considera na Lógica não é isso.
        Interessa-lhe assegurar a Verdade Formal do discurso.
 
113. Trata-se de uma Ciência Abstracta que se propõe
       determinar as condições de Validade dos raciocínios,
       de modo a evitar as contradições e os erros.
 
114. O conteúdo das proposições, o que elas dizem,
        se são verdadeiras ou falsas, não é um assunto de Lógica,
        mas de Gnoseologia ou de Teoria do Conhecimento.
 
115. A Lógica apenas visa a correcção formal dos raciocínios.
        Estes são ou não são válidos, independentemente do conteúdo
        das proposições que o compõem ser verdadeiro ou falso.
 
116. A Gnoseologia avalia a Verdade das proposições,
        enquanto que a Lógica fiscaliza a Validade dos raciocínios.
 
117. Esta é um ramo da Filosofia propedêutico a todo o conhecimento racional.
        Constitui um instrumento imprescindível para a reflexão
        e para a comunicação verbal, oral ou escrita.
 
118. Disciplina normativa, inclui um código de regras universalmente válidas
        que devem presidir às operações discursivas da razão,
        conferindo-lhes fiabilidade pelo seu rigor.
 
119. Se a Gnoseologia examina o que sabemos, o conteúdo das nossas ideias,
        pertence à Lógica Formal disciplinar o modo como nós pensamos.
        É simultaneamente uma teoria e uma prática,
        uma ciência e um método.
 
120. Conceber, julgar e raciocinar são operações da Razão.
        São três os instrumentos lógicos do discurso:
        o conceito, o juízo e o raciocínio.
publicado por Marc Calicis às 13:43
link do post | favorito
Terça-feira, 22 de Maio de 2007

Texto 10

O Conceito
 
  
121. O conceito é uma ideia geral,
        acessível ao espírito mas não aos sentidos.
        O que os sentidos captam não é o conceito mas o termo.
 
122. Abstrair significa considerar em pensamento apenas uma parte de um todo.
        É por via da abstracção que a razão acede ao conceito,
        o qual exprime uma classe de objectos.
 
123. A abstracção é a capacidade que o espírito possui de isolar mentalmente,
        de um conjunto de seres concretos, o seu elemento comum,
        pondo de parte aquilo em que diferem.
 
124. Existe uma semelhança entre extrair e abstrair. Assim como
        o cirurgião extrai um tumor do corpo do seu paciente,
        a razão abstrai, de um grupo de entes individuais,
        uma qualidade que lhes é comum a todos.
 
125. A diferença reside em que essa última separação ou ablação
        não é de ordem física ou material, mas puramente mental.
 
126. O que legitima a objectividade de uma ideia geral é que esta se forma
        a partir de semelhanças reais que existem entre as coisas.
        O conceito não é uma criação arbitrária do sujeito.
 
127. A abstracção gera o conceito,
        mas não a realidade à qual este se refere.
 
128. Não confundamos uma realidade com a ideia que temos dela.
        Aquilo que é contemplado é irredutível ao conceito que dele formamos.
 
129. Uma coisa é o conceito, outra coisa o seu referente.
        A existência de um objecto precede o modo como nós o concebemos.
        Uma realidade não precisa de ter um conceito que a identifique para ser o que é.
 
130. "Morte", por exemplo, não é apenas uma noção.
        Corresponde a algo real fora da mente.
 
131. Até um animal não deixa de morrer
        apesar de nunca ter conceptualizado a morte.
 
132. Da percepção das coisas belas
       chega-se à conceptualização da Beleza.
        A formação do conceito tem carácter indutivo.
 
133. Mas os sentidos não conseguem captar nem a razão abstrair
        senão aquilo que já se encontra presente nas próprias coisas.
 
134. Antes de estar nos olhos de quem a vê,
        a beleza é uma qualidade dos objectos. Reside neles.
 
135. Um pôr-do-sol sobre o mar é objectivamente mais belo
        do que uma lixeira a fumegar num dia de chuva.
 
136. Que cada qual seja em parte refém da sua própria subjectividade
        não autoriza ninguém a considerar tudo como subjectivo.
 
137. Mas nem toda a Beleza é de ordem sensível.
        Um acto de coragem é moralmente belo.
        Existe realmente uma beleza interior.
 
138. Muitos só atribuem realidade àquilo que for observável,
        o que constitui uma espécie de miopia intelectual.
        Só vêem o que estiver na ponta do seu nariz.
 
139. Uma verdade matemática não deixa de ser real, embora a seu modo.
        Um castelo pode cair em ruínas, mas as entidades imateriais são imperecíveis.
 
140. Se é certo que quem o descobriu tenha morrido há 25 séculos,
        o teorema de Pitágoras permanece para sempre.
        Nem tudo está sujeito ao devir.
 
141. Sendo o conceito um ente de razão, abstracto e incorpóreo,
        não pode ser transmitido a terceiros sem o recursoa uma linguagem.
 
142. Esta é criada pelo homem e serve de instrumento de comunicação,
        podendo ser escrita, verbal, gestual ou pictórica.
 
143. Não são os sentimentos ou as ideias que são audíveis, tangíveis ou visíveis,
        mas sim os símbolos ou os sinais que os representam e exprimem
        através de códigos sistematizados predefinidos.
 
144. Os sons articulados (na fala) ou outros efeitos sonoros preestabelecidos
        (ex: a sirene de uma ambulância ou uma salva de palmas)
        transmitem um determinado significado.
 
145. Se os sentidos captam os sinais gráficos, gestuais ou sonoros,
        cabe exclusivamente à razão interpretar o que estes querem dizer.
 
146. “Quem vê caras, não vê corações”.
        O que nos vai na alma escapa aos sentidos dos demais.
        São as expressões do rosto (ex: um sorriso), os gestos e as palavras
        que manifestam o nosso mundo interior. “A boca fala da abundância do coração”.
publicado por Marc Calicis às 15:03
link do post | favorito
Segunda-feira, 21 de Maio de 2007

Texto 11

O Termo
 
  
147. A fim de viabilizar a comunicação entre si, os homens
        inventaram termos convencionais que expressam conceitos.
 
148. O termo faz as vezes do conceito.
        Representa-o. É a sua face visível.
 
149. Se alguém disser alguma coisa numa lingua desconhecida,
        não poderemos decifrar-lhe o significado porque os termos
        e o código linguístico utilizados são diferentes dos nossos.
 
150. O que porém não tem sentido para nós
        pode perfeitamente ter sentido em si mesmo.
        Não digamos: “Não percebo. Logo, não tem sentido”.
 
151. A capacidade de se exprimir por palavras é inata no homem.
        Os idiomas, pelo contrário, foram criados por ele
        e estão historicamente circunscritos.
 
152. Os conceitos universais referem-se a realidades,
        sejam elas do conhecimento do homem comum (ex: “pedra”),
        ou conhecidas apenas por alguns e de um modo invulgar (ex: "anjo").
 
153. Guardemo-nos de confundi-los com os que são fruto da imaginação.
        O conceito de “sereia” não tem referente fora do espírito.
        É tão particular como a cultura que o produziu.
        Nada tem de objectivo e universal.
 
154. “Branco, white, blanc” são três termos que representam
        um mesmo conceito universal: o de brancura.
 
155. Não depende do homem a existência de objectos brancos,
        mas apenas o nome que dá às coisas que conhece.
 
156. Minerais, vegetais, animais e homens não escolheram ser o que são.
        A essência dos seres é imposta e nenhum deles a pode alterar.
 
157. Ter fome é comum a todos os homens; faz parte da sua condição.
        É uma lei da Natureza, pelo que o conceito de fome
        a nenhum de nós é estranho.
        Sabemos o que ela é, mas o modo de a designar
        varia consoante o povo, a região e a época.
 
158. O nome que damos às coisas, a "etiqueta" que lhes aplicamos,
        em nada interfere na natureza dessas mesmas coisas.
       
159. Uma doença grave não deixa de o ser
        se a tivermos por uma bagatela e a apelidarmos como tal.
        Um erro no diagnóstico não modifica o estado clínico do paciente.
 
160. Ao verbo humano não obedece a essência das coisas.
        Chamar alguma realidade como ela não é, em nada a modifica.
 
161. Primeiro, as coisas são.
        A realidade precede a palavra do homem.
        Com o tempo, diversos nomes foram-lhes sendo atribuídos.
 
162. Os Romanos, há dois mil anos, chamavam "somnus"
        àquilo que hoje designamos por sono. Continua porém a ser o que era.
 
163. Mudaram os tempos, mudaram os termos,
        as roupagens com que nós revestimos as coisas,
        mas estas são o que são, desde que o mundo é mundo.
 
164. Platão (427-347 A.C.) utilizou o termo “andreia” para designar a coragem.
        Mas a descrição que dela nos fez aproveita a qualquer geração,
        pois as essências não sofrem a erosão do tempo.
 
165. Finalmente, os conceitos não são, em si mesmos, nem verdadeiros nem falsos,
        porque não encerram nenhuma afirmação. Não é porém indiferente
        terem ou não um determinado referente na realidade.
publicado por Marc Calicis às 00:30
link do post | favorito
Domingo, 20 de Maio de 2007

Texto 12

A Axiologia
 
  
166. Desde os legisladores das antigas “Pólis” dos séculos VIIº e VIº A.C.,
        os pensadores notabilizaram-se pelo cultivo dos Saberes Práxicos.
        Importa circunscrever a área a que estes saberes pertencem.
 
167. Entre os Sete Sábios da Grécia, homens de reconhecida virtude,
        conta-se o próprio Tales de Mileto, tido como o primeiro filósofo.
 
168. A Ética é um ramo da Filosofia que se propõe determinar a finalidade
        da vida do homem e os meios de a alcançar.
        Como esculpir o seu destino? 
 
169. Trata-se de uma disciplina de carácter normativo,
        tal como o são a Lógica e a Estética,
        em seus domínios próprios.
 
170. Assentando numa prévia definição do Bem,
        e propondo um sistema coerente de regras imperativas da acção,
        a Ética pressupõe necessariamente uma Axiologia.
 
171. A Axiologia tem por objecto o estudo dos Valores.
        Trata nomeadamente da sua natureza,
        heterogeneidade, polaridade
        e hierarquização.
 
172. As coisas não se limitam a ser ou a existir. Também valem.
        Julgamo-las em função de valores de índole diversa.
        Decorre da componente espiritual do homem
        emitir juízos apreciativos.
 
173. Não é um assunto de somenos importância
        o de escolher as normas da nossa conduta pessoal.
        Saibamos discernir trigo e joio para agirmos em conformidade.
 
174. Não nos suceda ter que proferir um dia o verso do ilustre poeta:
        “Saiba morrer quem viver não soube” (Bocage, 1765-1805).
 
175. O livre arbítrio é a capacidade que o homem tem de decidir livremente.
        O poder de optar é a raíz da responsabilidade e, por conseguinte,
        da culpabilidade ou do mérito de cada um.
 
176. Três são as faculdades do nosso espírito: memória, inteligência e vontade.
        Recomenda a prudência que não invertamos esta ordem natural.
 
177. A inteligência precisa da memória
        que lhe fornece a matéria-prima para o seu exercício,
        e nada mais funesto do que uma vontade privada do leme da inteligência.
        Querer primeiro e reflectir depois causa dissabores e por vezes danos irreversíveis.
 
178. A primeira assemelha-se a um cofre interior,
        a segunda a uma bússola e a terceira a um motor.
        Outra metáfora: um livro, uma lâmpada e uma alavanca.
 
179. Se a vontade desempenha, na conduta do homem, um papel preponderante,
        cabe à inteligência orientá-la. Não é (não deve ser) sem motivo
        que pretendemos alguma coisa em vez de outra.
 
180. O livre arbítrio, dom inato, comum a todos os homens,
        não garante, por si só, a plena autonomia moral.
        Esta exige o concurso da virtude.
 
181. Possuir auto-domínio suficiente para, em qualquer circunstância,
        manter-se senhor de si; conservar o espírito livre de influências estranhas
        (as inclinações do corpo, as pressões do nosso meio social, etc);
        fundamentar a acção no dever; eis a autonomia moral.
 
182. Não se confunda autonomia moral com arbitrariedade.
        Ter em si mesmo o princípio do seu agir não significa
        fazer o que nos apetece, procedendo irracionalmente.
 
183. Ceder ao capricho momentâneo não é autonomia,
        mas anomia (ausência de lei).
 
184. Também não significa recusar a observância de princípios de conduta
        universalmente válidos. Um exemplo: sendo a vida um bem precioso,
        deve ser tida como tal, respeitada, estimada e protegida.
 
185. Alguns sustentam que ser livre significa nunca se comprometer com nada.
        Contrair uma obrigação, ser fiel a determinadas regras,
        pode e deve ser um acto livre.
 
186. O paciente que cumpre as prescrições do seu médico, fá-lo por vontade própria.
        A liberdade é portanto compatível com actos de obediência consciente.
 
187. A heteronomia moral consiste em receber passivamente de outrem
        as regras que nos governam, ou em estar sujeito a forças
        que escapam à nossa vontade livre e racional.
 
188. Depender de um vício a ponto de perder completamente o controlo dos seus actos,
        ter que entregar à força os seus haveres a uma quadrilha de assaltantes,
        são dois exemplos de heteronomia moral.
 
189. Como definir o destino? Tudo aquilo que nos acontece
        sem o contributo da nossa vontade. Não escolhemos
        o século em que nascemos nem se hoje vai chover.
 
190. Podemos compará-lo a uma mão invisível que imprime guinadas inesperadas
        ao volante da nossa vida, alterando num ápice o curso dos acontecimentos.
        Temerário e ingénuo quem disser com jactância "estar tudo sob controlo".
 
191. Alguns acusam-no injustamente.
        Os nossos erros não são imputáveis ao destino.
 
192. Como sentencia um velho ditado: "Se caíres a um poço,
        a Providência não é obrigada a ir lá buscar-te". Caíste nalgum poço?
        Talvez andasses distraído. Não amaldiçoes o destino, mas o teu descuido.
 
193. A virtude consiste numa predisposição habitual na prática do bem.
        Trata-se de uma força interior progressivamente adquirida,
        fruto do exercício continuado de actos meritórios.
 
194. Resulta do esforço no aperfeiçoamento de si mesmo.
        "A prática torna mestre", observa outro provérbio.
 
195. Cada virtude particular admite uma escala graduada.
        Nem todos somos igualmente pacientes
        e há graus de generosidade.
 
196. O Bem consiste na realização integral das potencialidades
        de um ser, segundo o seu fim na ordem do Universo.
       
197. A posse de quatro virtudes essenciais fazem o homem completo,
        segundo Platão: a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança.
publicado por Marc Calicis às 18:11
link do post | favorito
Sábado, 19 de Maio de 2007

Texto 13

O teatro dos acontecimentos
  
198. A Filosofia e a História são duas disciplinas irmãs.
        Ideias e factos são inseparáveis, pois aquelas inspiram estes.
        Dados imprescindíveis de Cultura Geral devem ser aqui recordados.
        A História Universal divide-se em quatro grandes Períodos: Antiguidade,
        Idade Média, Era Moderna e Época Contemporânea.
 
199. Os alvores da Idade Antiga são indefinidos; remontam
        ao início dos tempos históricos (invenção da escrita).
 
200. A Antiguidade espraia-se por longos séculos e termina
        com a queda do Império Romano do Ocidente,
        devastado pelos Bárbaros, no ano 476 D.C.
 
201. A Idade Média eclode no fim do século Vº e dura aproximadamente mil anos.
         Extingue-se em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos Turcos.
 
202. As invasões muçulmanas tinham já logrado anexar vastos territórios a Ocidente,
         entre 685 e 741.Os Sarracenos ocuparam a Península Ibérica sete séculos,
         até serem dela definitivamente expulsos pela Reconquista Cristã.
 
203. Os Mouros só não conseguiram tomar conta do resto da Europa
        porque, em 732, Carlos Martel lhes barrou o caminho,
        na Batalha de Poitiers, no Sul de França.
  
 
 
204. Em meados do século XV, desmorona-se o Império Romano do Oriente:
        o Império Bizantino é incorporado no Império Otomano (Turco).
        Desponta a Idade Moderna, estendendo-se
        até finais do século XVIII.
 
205. Com a tomada da Bastilha, a 14 de Julho de 1789, em Paris,
        a Revolução Francesa inaugura a Época Contemporânea.
publicado por Marc Calicis às 20:34
link do post | favorito
Sexta-feira, 18 de Maio de 2007

Texto 14

Situar para compreender
  
206. Esbocemos o percurso da Filosofia Antiga ou Pagã.
        A Filosofia da Antiguidade reparte-se em cinco Períodos:
        O primeiro, chamado Cosmológico, preenche o século VIº A.C.
 
207. Nasce a Filosofia Sistemática com os Pré-Socráticos,
        estudiosos da Natureza, também conhecidos por Físicos ou Fisiólogos.
 
208. O segundo Período, Antropológico, envolve o século Vº A.C.
        O homem, inserido na Cidade-Estado, é o alvo
        das reflexões de Sócrates e dos Sofistas.
 
209. O terceiro Período, Ontológico, ocupa o século IVº A.C.
        Aperfeiçoam-se os princípios do ser e do devir, do conhecer e do agir.
        Platão e Aristóteles elevam ao seu auge a Metafísica grega.
 
210. O quarto Período, Ético, vai do século III A.C. até ao século IIº D.C.
        Florescem as Escolas Helenísticas na civilização greco-romana.
        O Bem, a virtude e a felicidade dominam as questões morais.
 
211. O quinto Período, Religioso, inicia-se no século IIIº D.C.,
        com o Neoplatonismo de Plotino, e prolonga-se até ao século Vº D.C.
        Entrecruzam-se os conceitos platónicos e a Mística do Oriente.
 
212. Os pensadores cristãos da era medieval tiveram o mérito
        de estimar as obras dos seus augustos predecessores.
  
 
        Apresento a seguir alguns Sistemas Éticos da Grécia Antiga.
publicado por Marc Calicis às 03:47
link do post | favorito
Quinta-feira, 17 de Maio de 2007

Texto 15

Os Sofistas
  
213. O Movimento Sofístico defende, acima de tudo,
        que os valores não são essências.
 
214. Vai ainda mais longe. Sustenta que nem sequer
        são propriedades dos objectos.
 
215. Os valores são estranhos às próprias coisas.
        Não possuem quaisquer qualidades objectivas.
 
216. Protágoras, Sofista do século Vº A.C., proclamou:
        “O homem é a medida de todas as coisas”.
 
217. O Relativismo reduz os valores às valorações.
        Apenas vale aquilo que o indivíduo valorizar.
 
218. Dependendo em exclusivo da estimativa de cada um,
        todo o valor é por conseguinte meramente extrínseco.
 
219. O Bem é simplesmente aquilo que for desejado por cada sujeito
        e varia consoante as opiniões momentâneas que tivermos forjado.
 
220. O que, por exemplo, te parece injusto,
        pode perfeitamente parecer justo aos olhos de outro.
 
221. Se tudo é opinião e aparência, não há que invocar
        nenhuma Justiça em si, nenhuma Verdade.
 
222. As coisas não têm valor em si mesmas.
        Nós é que lhes damos – ou não – um determinado valor.
        Se nada vale por si, caberá a cada cabeça ditar a sua sentença.
 
223. O sujeito é a única fonte dos valores.
        É o seu criador, o árbitro do justo e do injusto.
        O bem e o mal são somente o que cada homem decidir.
 
224. Em termos políticos, os valores reduzem-se a meras convenções.
        Impera o Pragmatismo: o êxito mede o valor das opiniões:
        aquela que persuadir o maior número será a melhor.
publicado por Marc Calicis às 19:19
link do post | favorito
Quarta-feira, 16 de Maio de 2007

Texto 16

Sócrates e Platão
  
225. Caberá a Sócrates (470–399 A.C.)
        refutar o Subjectivismo dos Sofistas.
 
226. O sujeito não é, de modo nenhum, a medida dos valores,
        e o modo como estes podem ser encarados em nada os altera.
 
227. Acima do desencontro das opiniões, está a Ciência,
        a contemplação das Verdades Eternas.
 
228. Os valores são independentes das coisas
        em que se manifestam.
 
229. Quando, por exemplo, uma flor murcha e deixa de ser bela,
        a Beleza em si, que é uma só, permanece intacta, igual a si própria.
        Continua de resplandecer, sempre a mesma, noutros seres da Natureza.
 
230. Platão, na esteira do seu mestre, precisará que os objectos belos
        não devem confundir-se com a Beleza absoluta,
        da qual aqueles apenas participam.
 
231. As efémeras belezas sensíveis são pálidos reflexos
        ou débeis imitações de uma mesma Beleza imperecível,
        única, real e perfeita, transcendente e inacessível, seu modelo.
 
232. Os valores são imunes à inconstância dos homens,
        que não os criam nem os podem modificar.
 
233. “O bom vinho não precisa de etiqueta”.
        O que realmente é valioso recomenda-se por si próprio.
 
234. Assim como o Sol, irradiando luz,
        se distingue da Lua, que apenas a reflecte,
        os valores objectivos ou intrínsecos valem por si mesmos.
 
235. Impõem-se pela sua presença, enquanto que os valores subjectivos,
        sejam os de um indivíduo ou de uma colectividade,
        recebem de fora um valor emprestado.
 
236. Ouvimos dizer que grassa uma crise dos valores.
        Nunca porém estiveram tão bem de saúde.
        Há apenas uma crise do homem.
        Não é a mesma coisa.
 
237. A ignorância do bem é a causa do mal, segundo Sócrates.
        Ninguém erra voluntariamente ou deseja deliberadamente a sua infelicidade.
 
238. Se, portanto, alguns procedem mal, tal não será imputável à sua maldade,
        mas à sua ignorância. Devem ser instruídos e não punidos.
 
239. Um antigo adágio parece confirmar o diagnóstico socrático:
        "Se os jovens soubessem, se os velhos pudessem".
       
240. Todo aquele que souber em que consiste a justiça, optará certamente por ela.
        Não é admissível que um homem possa, conhecendo o melhor, escolher o pior.
 
241. O conhecimento do bem implica, mais cedo ou mais tarde, a sua prática.
        A virtude é pois inseparável do saber. Age bem quem pensa bem.
        A desorientação na conduta resulta da cegueira do espírito.
publicado por Marc Calicis às 21:58
link do post | favorito
Terça-feira, 15 de Maio de 2007

Texto 17

A arte de escolher
  
242. Que comentário tecer relativamente à doutrina moral de Sócrates,
        que viria a ser conhecida como Intelectualismo Ético?
 
243. A crítica socrática, alusiva à argumentação sofística, é procedente.
        A existência de valores extrínsecos não significa
        a inexistência de valores intrínsecos.
 
244. Se bastasse conhecer o bem para segui-lo, o homem deixaria de ser livre.
        A bem dizer, nem sequer haveria nele verdadeira opção.
 
245. Nunca nos sucedeu porventura termos prévio conhecimento do nosso dever
        e não cumprí-lo? A ter Sócrates razão, ninguém teria culpa de nada,
        nem de resto qualquer mérito por ter agido bem.
 
246. Que a ignorância seja uma das causas do mal, é ponto assente.
        É certo que, por vezes, não sondamos bem a extensão
        e a profundidade do mal ou do bem que fazemos.
 
247. Daí não se conclua porém que não estamos conscientes
        quando nos ocorre proceder injustamente.
 
248. Somos os autores de acções voluntárias e lúcidas
        cuja responsabilidade nos incumbe.
 
249. Sou o pai dos meus actos. Mesmo que eu lhes diga:
        "Eu não tenho nada a ver convosco, nem sei quem sois",
        eles retorquem: "Mas nós reconhecemos-te e pertencemos-te".
 
250. A virtude não brota só do saber.
        Radica também na boa vontade e exige trabalho.
 
251. Que necessidade teríamos de leis, se fossemos bons por natureza?
        Se existisse um homem naturalmente justo, bom de per si,
        não poderia ser moralmente corrompido.
 
252. Somos corruptíveis porque já temos, constitutivamente, algo a ver com a corrupção.
        A concepção optimista ou angélica do homem peca por ingenuidade.
 
253. Poderá então um homem conhecer o bem, renegá-lo conscientemente
        e obstinadamente optar pelo mal? A resposta é sim.
 
254. "Assim como fizeres, assim acharás", lembra um antigo adágio.
        Cada qual recolherá exactamente o que tiver semeado.
        Todos seremos responsáveis pelo que fomos
        e pelo que nós não quisemos ser.
 
255. Poder-se-ia gravar na pedra fria de muitas sepulturas:
        Aqui jaz um "poderia ter sido". Não foi porque... Não quis.
publicado por Marc Calicis às 16:22
link do post | favorito
Segunda-feira, 14 de Maio de 2007

Texto 18

O Princípio de Causalidade
 
  
256. Importa, antes de aflorarmos a Moral Aristotélica,
        definir a noção de Causa.
 
257. É tudo o que determina a existência de uma coisa ou de um acontecimento.
        É o que transforma o estado de um ser, o antecedente de um dado fenómeno.
 
258. A causa material é aquilo de que um corpo é constituído
        (ex: o mármore de uma estátua).
 
259. A causa instrumental consiste nos utensílios
        necessários à execução do projecto.
 
260. A causa eficiente é o autor da acção. No nosso exemplo, o escultor.
        Pode não ser um agente livre (ex: a onda que virou o barco).
 
261. A causa formal é o modelo a que corresponde um objecto.
        Inclui o plano que se idealizou para imprimir ou incutir na matéria,
        bem como o estilo utilizado (ex: a estátua representa Luís de Camões).
 
262. A causa final é o fim que se tem em vista ao realizar a obra.
        É a razão de ser da acção (ex: a estátua destina-se a ser vendida).
 
263. O Finalismo Universal de Aristóteles
        reconhece a acção de causas finais no Universo.
        A Natureza nada faz em vão. Todo o ser possui um fim próprio
        e desempenha funções específicas.
 
264. O cosmos é um todo orgânico, uno e coeso,
        um sistema cujas partes dependem umas das outras.
 
265. Essa harmonia preestabelecida, não podendo provir do acaso,
        reclama uma Inteligência, como tinha postulado Anaxágoras no século VIº A.C.
 
266. O princípio de causalidade enuncia-se: todo o fenómeno tem uma causa
        e, nas mesmas condições, a mesma causa produz o mesmo efeito.
 
267. Trata-se de um axioma da razão e, simultaneamente,
        de uma verdade de experiência que nos autoriza a fazer previsões.
publicado por Marc Calicis às 16:32
link do post | favorito
Domingo, 13 de Maio de 2007

Texto 19

Nada em excesso
  
268. A ética aristotélica consiste na busca da felicidade,
        tida como o Bem supremo, por meio da virtude.
        Com efeito, todos procuramos ser felizes.
 
269. A essa filosofia moral dá-se o nome de Eudemonismo
        (de uma palavra grega que significa felicidade).
 
270. O homem usufrui, em parceria com a flora, da vida vegetal.
        Nasce, cresce e morre; alimenta-se e reproduz-se,
        de um modo análogo ao que sucede às plantas.
 
271. Goza além disso de sensibilidade e de mobilidade,
       que caracterizam a fauna. Só ele todavia possui a vida racional.
 
272. O homem é assim um resumo ou um compêndio do Universo,
        um microcosmos – o Cosmos em miniatura – dotado de liberdade.
 
273. O bem de um ser resulta do cabal desempenho de todas as suas funções.
        O homem, essa excepção no conjunto do cosmos, acedendo
        à vida contemplativa, consegue transpor os rígidos limites
        impostos pelo determinismo da Natureza.
 
274. Uma virtude ética é sempre um hábito e define-se pelo justo meio-termo.
        O ditado segundo o qual "a virtude está no meio" remonta a Aristóteles.
 
275. Um exemplo: a coragem encontra-se na equidistância de dois extremos:
        a cobardia (vício por defeito) e a temeridade (vício por excesso).
        Há pois uma medida certa em todas as coisas.
 
276. Poderia alguém objectar que essa moderação assemelhar-se-ia
        à mediocridade, pois não seria nem carne nem peixe, como diria o povo.
 
277. Aristóteles adverte: o meio-termo do ponto de vista da coisa
        é o máximo do ponto de vista do bem. Que adiantaria a um homem
        possuir calçado de medida 45 se apenas calçar 40?
 
278. O meio-termo é estritamente individual.
        O que para determinada pessoa será equilibrado, poderá não sê-lo para outra.
        As mesmas catorze horas diárias de sono poderão convir a um recém-nascido,
        mas serão excessivas para um adulto saudável.
 
279. Diremos de alguém que terá sido prudente, fiel ou corajoso na sua vida,
        não por tê-lo sido uma ou duas vezes, mas por tê-lo sido regularmente.
 
280. Dir-se-á o mesmo do vício: o ter alguém ficado embriagado
        numa determinada ocasião não faz dele um alcoólico.
 
281. "O hábito é uma segunda natureza". Quando um costume em nós se consolidou,
        adquire com o tempo raízes tão profundas que já não imaginamos
        poder viver de uma maneira diferente.
 
282. As virtudes dianoéticas são dons inatos. Enquanto faculdades naturais
        do espírito, não se lhes aplica o imperativo do meio-termo.
 
283. Contrariamente às virtudes éticas,
        estas só beneficiariam com eventuais excessos.
 
284. Efectivamente, se alguém possuir talento para a música ou para as letras,
        um apurado espírito de observação ou uma memória excepcional,
        por exemplo, quanto mais apurado fosse esse dom, melhor.
  
        Eclode a Civilização Greco-Romana.
        Afloremos alguns dos seus ingredientes.
publicado por Marc Calicis às 18:01
link do post | favorito
Sábado, 12 de Maio de 2007

Texto 20

Doutrinas posteriores a Aristóteles
  
285. A Grécia torna-se Província Romana em 146 A.C.
        Um longo Período, chamado Helenístico, estende-se
        desde o IIIº A.C. até ao advento da era medieval (476 D.C.).
 
286. O Cepticismo teve como fundador Pirro (365–275 A.C.).
        O cepticismo moral sustenta que nada é bom ou mau em si mesmo,
        pelo que nada é bom ou mau para todos.
 
287. O Bem e o Mal não são objectivos. Não têm realidade fora do sujeito.
        Não sendo entidades, muito menos podem ser personificados.
        Outro filósofo céptico é Sexto Empírico (séculos IIº e IIIº D.C.).
 
288. Antístenes (444–365 A.C.) inaugura a Escola Cínica.
        Este adjectivo deriva de um termo grego que significa “cão”,
        devido ao ideal de uma existência simples e informal.
 
289. Fora da virtude, não existem bens. Daí o total desprezo
        pelos demais valores e opiniões vulgarmente aceites.
        Outro pensador cínico é Diógenes (413–327 A.C.).
 
290. O Eclectismo é o método dos que pretendem elaborar uma doutrina própria,
        respigando aqui e ali, noutros filósofos, os elementos que lhes interessam,
        fundindo-os num todo coerente. Entre os Eclécticos, inclui-se Cícero,
        célebre orador romano (106–43 A.C.).
 
291. Epicuro (341–270 A.C.) elaborou uma teoria filosófica
        que identifica o bem e o prazer. Criou a Escola do Jardim
        na qual se inspirará o poeta latino Lucrécio (98–55 A.C.).
 
292. Os Epicuristas não valorizam tanto a deleitação física e imediata
        (a qual pode acarretar dissabores e levar ao infortúnio)
        como o bem espiritual e duradouro.
 
293. Preconizam a vida moderada, sábia e independente.
        O seu hedonismo é pois mais temperado do que
        o de Aristipo de Cirene (século IVº A.C.),
        fundador da Escola Cirenaica.
 
294. O Estoicismo teve por fundador Zenão de Citium (335–264 A.C.).
        Recomenda o acordo entre a vontade do homem e o Destino.
        Aceitar o inevitável é um ditame da razão.
 
295. Epicteto (50–125), Séneca (4– 65)
        e o imperador Marco Aurélio (120–180)
        são outros vultos notáveis da Escola do Pórtico
        (os dois últimos filósofos citados eram cidadãos romanos).
 
296. O carácter provisório de todas as coisas obriga o sábio
        a não se deixar perturbar pelas vicissitudes do mundo.
 
297. Indiferente às agruras da existência e impermeável às ilusões passageiras
        que agitam os mortais, o estóico manter-se-á impassível de espírito
        e inalterável nos seus comportamentos.
 
298. Plotino (205–270) edificou o último grande sistema filosófico
        da Antiguidade Clássica: o Neoplatonismo.
 
299. O seu espiritualismo vigoroso e desdém pela matéria
        anunciavam uma era de religiosidade. Procurou conciliar
        os conceitos platónicos com a mística do Oriente.
 
300. Os membros destas Escolas Pós-Aristotélicas ambicionavam
        atingir o estado de ataraxia ou de sereno equilíbrio interior,
        prémio do autodomínio e condição de auto-suficiência.
publicado por Marc Calicis às 20:23
link do post | favorito
Sexta-feira, 11 de Maio de 2007

Texto 21

O Juízo e a Proposição
  
301. O juízo é o acto pelo qual a razão estabelece uma relação
        entre dois ou mais conceitos, a fim de afirmar
        ou negar a sua conveniência.
       
302. Estejamos de sobreaviso quanto à falibilidade da razão:
        contrariamente ao conceito, todo o juízo é verdadeiro ou falso.
 
303. Assim como exprimimos um conceito por meio de um termo,
        um juízo expressa-se verbalmente pelo intermédio de uma proposição.
        Esta é a exteriorização de um juízo. Exemplo: “Alguns A são B".
 
304. Um juízo é uma afirmação que se forma no âmago da nossa mente.
        É uma realidade interior, de natureza lógica.
 
305. O que ocorre no nosso espírito é como um livro no qual só nós podemos ler.
        Se não dissermos aos outros aquilo que pensamos,
        dificilmente o poderão adivinhar.
 
306. Damos a conhecer os nossos juízos por meio de proposições,
        sem as quais aqueles permaneceriam ocultos aos olhos dos demais.
        As proposições revelam os nossos sentimentos e pensamentos,
        tornando assim manifesto o que era inacessível aos sentidos.
 
307. O acto de julgar é próprio de um ser pensante e livre.
        Constitui uma prerrogativa mas também uma tremenda responsabilidade.
 
308. "Sim" e "não" são as palavras mais fáceis de pronunciar
        e as que mais reflexão exigem. Sejamos lentos em julgar.
        São necessários dois anos para aprender a falar
        e uma vida inteira para aprender a calar.
 
309. As proposições materializam os nossos juízos,
        encarnam-nos pelo intermédio da palavra escrita ou oral.
        Quando falamos ou escrevemos, tornamos público o que era apenas nosso.
 
310. Sentimos por vezes dificuldade em expressar-nos
        quando, por exemplo, uma ideia repentina irrompe em nós.
        Procuramos então o modo mais adequado de a transmitir fielmente aos outros.
 
311. Essa busca dos termos mais apropriados para comunicar o que pensamos
        indicia a anterioridade do pensar em relação ao acto de se exprimir.
        A proposição existe em função do juízo e não o contrário.
 
312. A verdade de um juízo resulta da sua plena conformidade com o real.
        Dessa condição fundamental e primeira, depende uma segunda:
        os atributos devem convir ao sujeito, harmonizar-se com ele.
 
313. A proposição afirmativa: “As amoras são frutos silvestres” é verdadeira
        porque o atributo ou predicado (frutos silvestres)
        convém ao sujeito (amoras).
 
314. Como é possível verificar essa concordância entre o atributo e o sujeito?
        O que nos permite atribuir uma certa qualidade (o predicado)
        a uma coisa qualquer (o sujeito da proposição)?
 
315. Resposta:confrontando a nossa afirmação com a realidade.
        Nunca nos anteponhamos às coisas. Antes de julgar, observemos.
 
316. No presente caso, essa conveniência assenta na experiência.
        Os sentidos confirmam que amoras e frutos silvestres
        têm a ver entre si numa óbvia relação de inclusão.
 
317. Quer queiramos, quer não, as coisas são o que são.
        Cabe-nos dizer o que elas são, abstendo-nos de lhes retirar
        ou de lhes acrescentar algo arbitrariamente em nossas representações.
 
318. Se, no exemplo apontado, substituíssemos o atributo “frutos silvestres”
        pelo de “frutos secos”, a proposição deixaria de imitar a realidade.
 
319. A proposição tornar-se-ia falsa, apesar de continuar afirmativa,
        pois o predicado deixaria de se coadunar com o sujeito.
        O atributo tem que se ajustar ao sujeito sempre.
 
320. Neste último caso, o juízo deverá passar a ser negativo
        para continuar a ser verdadeiro: “As amoras não são frutos secos".
 
321. Não é pelo facto de termos afirmado ou de termos negado seja o que for
        acerca de um objecto que este passa a ser como nós dissemos,
        mas é antes por ele na realidade ser isto ou aquilo
        que nos compete reconhecê-lo como tal.
 
322. Não nos foi dado decidir como as coisas são,
        mas podemos deturpar a sua correcta representação,
        relacionando indevidamente em nós conceitos incompatíveis.
 
323. O que a razão liga ou desliga, fá-lo por sua conta e risco.
        “Errare humanum est; perseverare diabolicum”. Errar é humano,
        mas obstinar-se no erro é diabólico. Assim, o aforismo medieval está completo.
 
324. O filósofo francês Bossuet (1627-1704) desabafa mesmo:
        “Tais-toi, raison imbécile” (cala-te, estulta razão).
 
325. As proposições podem portanto ser afirmativas ou negativas,
        e, em ambos os casos, verdadeiras ou falsas.
publicado por Marc Calicis às 21:38
link do post | favorito
Quinta-feira, 10 de Maio de 2007

Texto 22

Classificação dos Juízos
 
  
326. Um juízo a priori não depende da experiência.
        Versa sobre essências ideais ou formas puras.
 
327. Exemplo: "Um segmento de recta
        é a mais curta distância entre dois pontos".
 
328. As Ciências Abstractas lidam com juízos a priori, isto é,
        com enunciados universais, incondicionais e necessários.
 
329. Pelo contrário, as Ciências da Natureza, as Ciências do Homem
        e o próprio Senso Comum utilizam vulgarmente juízos a posteriori,
        os quais são contingentes e, por conseguinte,
        menos fiáveis do que os anteriores.
 
330. Um juízo a posteriori assenta em dados fornecidos pelos sentidos.
        Resulta da observação directa dos fenómenos.
        Trata-se de um enunciado de facto.  
 
331. Exemplo de um juízo que depende da experiência:
        “Algumas achas crepitam nesta lareira".
 
332. Diz-se analítica toda a proposição em que o atributo
        já se encontra contido na compreensão do sujeito.
 
333. Exemplo de um juízo analítico:
        “O losango é um paralelogramo de lados iguais.”
 
334. O juízo é analítico porque os predicados (paralelogramo + de lados iguais)
        constituem propriedades inerentes à essência do sujeito "losango".
 
335. Poderíamos também emitir a seguinte asserção:
        “O losango é uma figura geométrica com dois ângulos agudos
        e dois obtusos, opostos dois a dois e iguais entre si”.
 
336. Os predicados derivam necessariamente da natureza do sujeito.
        São extraídos a partir da análise da noção deste último,
        de modo que aqueles já estejam incluídos neste.
 
337. O predicado de um juízo analítico não acrescenta portanto nada de novo
        à compreensão do sujeito. Limita-se a tornar manifesta
        uma propriedade imanente ao próprio sujeito.
 
338. Num juízo sintético, pelo contrário, o atributo não está implícito
        na substância do sujeito e não pode, por conseguinte, ter origem nela.
 
339. Exemplo: “Esta concha é uma recordação". O predicado "uma recordação"
        acrescenta algo de verdadeiramente novo à compreensão do sujeito "concha".
 
340. Ninguém poderia efectivamente adivinhar que este objecto
        pudesse ser uma recordação para uma determinada pessoa,
        se ela mesma não no-lo tivesse confidenciado.
 
341. Num juízo sintético, por mais que examinássemos o sujeito,
        jamais chegaríamos, só mediante essa análise,
        a conhecer o respectivo predicado.
 
342. É pelo recurso à experiência ou pelo testemunho de outrem
        que poderemos conhecer, num juízo sintético, os atributos do sujeito.
 
343. Temos ainda outra classificaçao dos juízos.
        Um juízo de essência recai sobre o ser enquanto ser
        ou sobre as coisas em si. Visa a mais funda e perene realidade.
 
344. Refere-se a entidades imutáveis que transcendem a experiência.
         É de natureza lógico–matemática (ex: “O todo é maior do que a parte”)
         ou de índole metafísica (ex: “A causa primeira é incausada").
 
345. Ao invés, um juízo de existênciadescreve uma realidade não essencial.
        Versa sobre meros fenómenos, isto é, sobre tudo aquilo
        que nos é sensorial e imediatamente dado.
 
346. É verdadeiro ou falso conforme se ajusta ou não aos factos considerados.
        Não comporta apreciações valorativas e é empiricamente verificável.
        Exemplo: “Há neste cálice de moscatel um cubo de gelo”.
publicado por Marc Calicis às 21:47
link do post | favorito
Quarta-feira, 9 de Maio de 2007

Texto 23

O Raciocínio
  
347. Um raciocínio é uma operação discursiva da razão, mediante a qual,
        de um ou vários juízos logicamente encadeados entre si,
        se extrai um juízo novo, consequente dos anteriores.
 
348. Exemplo: “Se eu estudar regularmente, serei bem sucedido”.
        Existe, entre uma proposição e outra, uma manifesta relação lógica.
 
349. O primeiro juízo (se eu estudar regularmente)
        é o antecedente da conclusão (serei bem sucedido).
 
350. Verifica-se, no exemplo apresentado, um nexo causal:
        uma causa determinada surte um certo efeito.
 
351. Neste caso concreto, operou-se uma inferência imediata,
        pois a conclusão apoia-se numa única premissa.
 
352. Mas em argumentos com duas ou mais premissas,
        a inferência é necessariamente mediata:
        alguns passos têm de ser dados
        para se chegar à conclusão.
 
353. Toda a inferência assenta efectivamente nalguns dados prévios.
        Estes são os alicerces que sustentam e legitimam a conclusão.
        Não se pode concluir seja o que for a partir do nada.
       
354. A Dedução é um modo de raciocinar
        em que se parte do geral para o particular,
        do princípio para as consequências,
        da causa para o efeito.
 
355. Um raciocínio dedutivo permite concluir rigorosamente,
        de uma ou mais proposições dadas, uma outra proposição
        que decorre daquelas necessariamente.
 
356. A dedução é profusamente utilizada nas Ciências Abstractas,
        justamente chamadas ciências dedutivas, formais e demonstrativas.
 
357. Exemplo de um argumento dedutivo:
        “Toda a virtude é digna de louvor. Logo, é louvável a temperança”.
        Neste caso, descemos do geral para o singular.
 
358. Também aqui a inferência é imediata:
        transita-se directamente da premissa para a conclusão
        sem que, entre elas, se intercale nenhuma outra proposição.
 
359. O Silogismo é um tipo clássico de inferência dedutiva mediata.
        Compõe-se de três proposições apenas: duas premissas e uma conclusão.
 
360. Cada uma das proposições encerra um sujeito e um predicado
        e, por conseguinte, dois termos.
 
361. Sendo que cada um dos termos aparece duas vezes no raciocínio silogístico,
        este relaciona ao todo, não seis termos, mas apenas três.
 
362. Exemplo: “Todas as artes são difíceis.
        A escultura é uma arte. Portanto, a escultura é difícil”.
 
363. Examinemos este silogismo. Começa por uma asserção muito geral:
        “Todas as artes são difíceis”. Esta é a primeira premissa ou Premissa Maior.
 
364. Segue-se a segunda premissa ou Premissa Menor: “A escultura é uma arte”.
        Desempenha o papel de elo de ligação entre a premissa maior e a conclusão.
 
365. Tira-se a consequência lógica das duas premissas:
        “Portanto, a escultura é difícil”. Temos agora a Conclusão.
 
366. As duas premissas são o Antecedente da conclusão.
        Esta é o Consequente das premissas. Este silogismo relaciona
        os três termos seguintes: arte – escultura – difícil.
 
367. O termo menor [escultura] é assim apelidado
        por ser, dos três, aquele que possui
        uma menor extensão.
 
368. O termo maior [difícil] traz esta denominação
        por ser, dos três, o de maior extensão.
        Pela palavra “difícil”, entenda-se:
        as coisas que são difíceis.
 
369. Temos finalmente o termo médio [arte].
        Do ponto de vista da extensão, inclui o termo menor,
        mas está por sua vez incluído no termo maior.
 
370. O termo médio tem por função
        servir de intermediário entre os termos maior e menor,
        pelo que nunca pode aparecer na conclusão.
 
371. O termo menor é sempre o sujeito da conclusão
        e o termo maior o predicado – ou atributo – da mesma.
 
372. Se a utilidade de uma dedução válida reside no seu rigor,
        exactidão e elevada fiabilidade, a Indução Amplificante
        aumenta os nossos conhecimentos.
 
373. A Indução Amplificante é uma forma de raciocínio em que se procura,
        a partir da atenta observação de alguns casos concretos e particulares,
        formular uma norma geral que explique todos os casos da mesma espécie.
  
 
374. As Ciências da Natureza são essencialmente indutivas;
       o seu "modus operandi" consiste precisamente
       em recorrer ao método experimental. 
 
375. Exemplo de um argumento indutivo:
        “O mercúrio dilata sob o efeito do calor. A prata e o ouro
        também dilatam sob o mesmo efeito, e ainda o aço, o ferro e o bronze.  
        Inferimos dos casos verificados que os metais dilatam sob o efeito do calor”.
 
376. Toda a generalização, baseada num número finito de dados empíricos,
        está sujeita a ulteriores revisões e envolve alguns riscos.
        Eventuais excepções poderão vir a invalidar a lei.
 
377. A indução amplificante deve contentar-se com inferências conjecturais.
        É por conseguinte mais contingente do que a dedução.
 
378. A indução representa um modo de elevar-se do vivido ao pensado.
        A própria formação do conceito é um processo de índole indutiva.
 
379. Muitos saberes decorrentes da experiência foram obtidos indutivamente.
        Citemos apenas um exemplo relativo ao senso comum: experiências acumuladas
        de geração em geração foram condensadas em provérbios pela sabedoria popular.
 
380. Em circunstâncias pontuais, todos os casos poderão ser observados um a um,
        antes de se emitir com segurança uma conclusão que os abranja a todos.
        Muitas vezes porém, é inviável a concretização de uma Indução Integral.
  
        Fim dos Apontamentos  →  Página Web dedicada aos alunos
      
 
      
 

publicado por Marc Calicis às 21:55
link do post | favorito

Marc Calicis

Licenciado em Filosofia pela U.C.P.

Vila do Conde

Ano Lectivo de 2009 - 2010